Como se divide a vida com alguém?

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É uma época de permissão. “Apaixonar-se é uma loucura. É como uma forma de insanidade socialmente aceitável”. - Amy [Ela]. Portanto, nesse tempo permissivo, acredite nos "computadores românticos" para que eles se tornem existentes e você possa se entregar de vez à essa linda história de amor.

 
                                                               Foto Reprodução.

         O que caracteriza o ser humano é o modo como ele vive, nessa condição natural e de ser uma espécie social. O animal está só por puro instinto e o ser humano está como um hibridismo de instinto e instituição, no momento em que transfere para a cultura aquilo que é instituído, criado artificialmente por ele. Ser humano é por definição uma espécie viva dotada de inteligência e razão.
E se um sistema operacional fosse capaz de desenvolver a complexidade da inteligência e razão humana, isso o tornaria um igual? Estes são os questionamentos propostos no filme do elogiado diretor Spike Jonze, que assina filmes como “Onde Vivem Os Monstros”, “Quero ser John Malkovich” e o nosso então analisado filme “Ela” (Her).
“Ela” nos conta uma história de um amor futurista, em um tempo não muito distante do nosso. Onde Theodore Twombly (Joaquin Phoenix), uma pessoa que passa a maior parte do tempo sozinha, depois de um divórcio conturbado, ocupa seu tempo com a tecnologia, o que é algo bem comum para todos, passando a maior parte do seu tempo jogando videogame, em salas de bate papo online, ou trabalhando respondendo cartas para desconhecidos com o maior grau de veracidade possível.
Quase todos nesse mundo hipotético parecem sofrer de solidão, mas ninguém tem muita coragem de interagir fisicamente com ninguém. Todos buscam as mídias/redes sociais. Até no futuro.
Theodore vive nessa total monotonia, até que um dia ele dá de encontro com uma propaganda de um novo sistema operacional que parece resolver todos seus problemas. O sistema promete uma inteligência artificial jamais vista e, Theodore sente a necessidade de comprar. Intitulado de “OS1”, o sistema só precisa que a pessoa responda algumas poucas perguntas para traçar o perfil do usuário, tudo de forma oral.


Foto Reprodução.

É nesse momento que ele conhece a Samantha (Scarlett Johansson, que esbanja talento com sua belíssima voz), sua nova companheira virtual, com inteligência artificial inimaginável.
Um sistema que difere dos anteriores, pois aprende com a interação e a experiência “vivida” com o usuário, como fazemos com o famoso “ser humano” pelo qual já ouvimos falar algumas vezes.
Ao que diz respeito à linguagem a Samantha é por muito uma humana, não podendo ser tratada de outra forma que não seja como “Ela”, pois está longe de ser um objeto. Ela pode não ter um corpo físico, mas se almas existem, de fato a Samantha tem uma, bem como opinião, personalidade e astúcia, mesmo que pelos moldes de seu criador.
E dessa possibilidade de interatividade complexa, nasce uma paixão entre o homem e até então “máquina”.
Se relacionar com a Samantha é o mesmo que se relacionar com qualquer outra pessoa à distancia, o que me fez lembra do filme “10.000 KM” do diretor Carlos Marques-Marcet, que narra a história de um casal que é surpreendido com a notícia de que terão que morar separados por um ano devido a uma oportunidade de trabalho irrecusável que um deles recebe, que fica em outro país. Uma história conflitante de resistência, fidelidade, confiança, mas, sobretudo sobre o amor, se comunicando somente por telefone, e-mail’s e/ou vídeo-chamadas. A diferença em “Ela” é que talvez Theodore nunca consiga ter a Samantha em corpo, mas sempre a terá em voz e “alma”.
Há uma linha tênue entre o real e o virtual, hoje todos estão constantemente conectados as mais variadas redes, que tem o objetivo de aproximar as pessoas a longa distância, mas que por outro lado pode acabar afastando quem está fisicamente bem perto. 
É difícil encontrar alguém que não tenha um celular (leia-se smartphone) com cobertura mínima em 3G. Mas em meio a tanta tecnologia, que é indiscutível nos tempos atuais, o futuro sempre procura reservar algo totalmente novo.
Mesmo olhando para o futuro, através dos olhos de Spike Jonze em "Her", pode-se notar que as pessoas ainda sentem/sentirão a necessidade de estarem próximas umas das outras, não importando de qual maneira estejam compartilhando suas vidas, como elucida Samantha (voz do sistema operacional com inteligência artificial, pelo qual Theodore se apaixona), indagando: ”como se divide a vida com alguém?”. Você já para pensar nisso?
Com isso, percebe-se que o futuro criado por Spike Jonze, que não contém carros voadores, ou algo do gênero, é na verdade recheado de sentimentalismo, mesmo que ele precise ser "comprado", como quem compra uma camiseta em qualquer loja de departamento por aí. Ainda assim, algum lado, seja o do comprador ou o do produto comprado, existe a passividade de se extrair sentimentos "reais".

O que entra em discussão por trás dessa história de amor é a difusão do "real-virtual" (assim mesmo, juntinho), que tenta se diluir ao máximo no decorrer de toda a história, da forma mais singela possível, trazendo à tona os conflitos que qualquer casal pode ter.
Não sei se é preciso amar pra falar de amor, nem dos prazeres ou decepções que ele pode trazer. Porém, todos sentem vontade de amar um dia, seja algo, alguém ou até um sistema operacional. Em meio a tantas películas que abordam a inteligência artificial, nasce “Ela”, dotada de uma sensibilidade tamanha, beleza sonora e estética de invejar muitos diretores e cativar amantes da sétima arte em tempos de amores líquidos, tornando “Samantha” (OS1) uma personificação do que queremos e talvez nunca tenhamos, pois ela é feita de nós sem deixar de ser ela.