Esqueça o que você sabe sobre o rap brasileiro

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O queer rap é um movimento e um gênero musical relativamente novo. Pouco se sabe ainda sobre o estilo no Brasil, mas por onde ele passa faz barulho.

Queer” é uma palavra inglesa usada de forma pejorativa para denominar os homossexuais. Algo como chamar alguém de “viadinho” ou “bicha”, mas com uma tradução mais próxima da palavra “estranho” ou coisas do gênero aqui no Brasil. E hoje, de forma irônica serve para fortalecer e denominar um movimento de ativismo musical feito por homossexuais ou de canções que têm como tema a diversidade de gênero.

Sabe-se que sua origem vem dos Estados Unidos, mas agora percorre o mundo, onde cada país e artista incluem sua personalidade, modificando o mesmo gênero musical a sua maneira de ver o mundo e de se ver nele.

Com o passar do tempo, o gênero foi ganhando mais adeptos e consequentemente mais força. Tomando uma forma cada vez mais clara.


Foto Reprodução.

       
    Dentre os cantores brasileiros de rap, Rico Dalasam (primeiro rapper brasileiro assumidamente gay) com quem tive o privilégio de conversar alguns minutos antes de um show que ele realizaria no SESC Interlagos em novembro de 2015, destaca-se, não só pela poderosa roupagem que expira extravagância, nem por seu longo cabelo ondulado com sidecut, mas pelo engajamento corajoso de suas letras, onde a diversidade de gênero está em evidência. Assim, Dalasam representa esse movimento aqui no Brasil, que tem por característica o ativismo de homossexuais através do rap, mas que acima de tudo quer ditar a realidade em que esses artistas estão inseridos.

Nossa conversa iniciou-se já com um assunto pouco abordado na música: a questão do transgênero. Sempre existiram gays, sobretudo gays nos mais diversos gêneros musicais. Sim, eles existem. E partindo desse fato, me recordei da banda canadense de rock “Arcade Fire” e sua música intitulada “We Exist” (Nós Existimos), que fala sobre homossexualidade e identidade de gênero. No vídeoclipe da música o ator Andrew Garfield interpreta uma personagem transgênera. A banda foi criticada por abordar essa questão sem usar um real transgênero no papel.

Dalasam se posicionou quanto a questão, acreditando que cada caso tem que ser avaliado individualmente, mas que em todos os assuntos onde alguém ocupa o lugar de alguém que já existe, sempre soa mal. É sempre bom quando a pessoa que está no lugar da fala seja quem vivencia aquilo, mas quando se vai para as questões do teatro, de interpretação é válido também. Ou iremos nos deparar com a questão de que nas obras de Shakespeare todos tem que ser brancos, quando podem ser negros também.

Minha conversa com o Rico decorreu, falamos sobre diversos assuntos, como as influências musicais, sonhos, entre outras coisas. Mas um dos temas que mais chamou atenção, foi o significado de seu nome artístico. Rico Dalasam, tem como nome de batismo Jeferson Ricardo Silva. “Rico” surgiu de um apelido dentro de casa, mas “Dalasam” tem uma escolha um pouco mais significativa. Jeferson resolveu utilizar em seu sobrenome artístico um espaço de significância de sua luta artística e como pessoa. Como uma espécie de anagrama, cada letra tem um significado diferente, sendo assim, Dalasam tem por objetivo passar a seguinte mensagem:  Disponho Armas Libertárias A Sonhos Antes Mutilados. Sendo uma ótima escolha para quem representa o “queer rap”, que se concretiza na transparência do ser.

 Como o movimento “queer rap” é algo relativamente novo aqui no Brasil, ainda nos apoderamos desse estrangeirismo.
Dalasam diz que tudo que vem de qualquer parte do mundo, quando chega no Brasil ganha novos sentidos. "Conseguimos fundir coisas que qualquer outro lugar do mundo não consegue. Somos feitos disso... Somos o bar, a igreja, o cabeleireiro, tudo na mesma calçada. Nos fundimos muito.". E completa dizendo que quando as coisas chegam aqui no Brasil, ele crê que elas ganham variáveis, se juntam com outras linhas de manifesto e que nós podemos colocar o rótulo de “queer rap”, mas ele sempre se expandirá. “Melhor deixar uma janela aberta do que se prender em um rótulo. Assim se angaria mais público”.
As pessoas mudam, a sociedade muda e isso reflete em diversos assuntos, como na música. Ás vezes não cabemos num rótulo. O até agora chamado de “queer rap” não é um produto que a sociedade está acostumada a ter, mas pode ser o produto que a sociedade precisa e talvez não saiba.

Então, o termo pode se “abrasileirar” e futuramente nos ser apresentado de outra forma e por muitos outros artistas engajados, assim como Rico.

O rap contemporâneo está em ascensão, tendo cada vez mais visibilidade, angariando os mais variados tipos de público, que antes até abominavam o rap, por achar que era algo muito marginalizado. Mas esse novo jeito está mais popular e se utilizando bem mais de “samples”, como é o caso da música “Aceite-C” do artista, com introdução de uma música da Daniela Mercury.


Foto Reprodução.



No palco da Praça Pau Brasil do SESC Interlagos, Rico pode externar sua energia e música irreverente, sentir o acolhimento e o surgimento de um novo público, com várias pessoas cantando as músicas de seu primeiro trabalho, o EP “Modo Diverso”. E após ouvir a música “Aceite-C”, posso concluir que Rico além de dispor de armas libertárias a sonhos antes mutilados, ele quebra a quarta parede da música, falando diretamente com seu público, incentivando-os a serem eles mesmos e sonhando com um mundo de paz e aceitação. Ele dispõe de uma arma poderosíssima contra o preconceito: a ARTE.

Assista abaixo o clipe da música "Aceite-C".